sábado, 3 de janeiro de 2009

Dança das árvores


Do sofá avistava-se uma árvore. Uma não, muita. Apesar de que sempre que olhos viravam para a montanha, apenas algumas maneavam seus galhos. A montanha separava o sofá de se ver o horizonte do Oeste. As árvores na montanha faziam-na parecer mais alta. Eram como lavas saindo de um vulcão. A paisagem era de muitas árvores desde o topo, passando pelas suas encostas, numa longa e grossa fita, verde-escuro. Assemelhava soldados em treinamento. Às vezes assistíamos à coroação. Em dias pouco nublados, uma única nuvem adornava o topo da montanha. O mais impressionante era saber quando vinha chuva do Oeste. Como atalaias em cima do muro, galhos balançando e folhas batendo, chamavam a atenção dos súditos. Muitas vezes despercebidos, ou percebidos não na montanha, algo tocava-nos os ombros. Num meio-olhar só não víamos como ouvíamos um “oi”, “estou ali”. Eram panfletos não escritos, às vezes chutados e outras vezes varridos, mas que “falavam” algo. Eram folhas praticando esporte a ultima vez na vida. Pulavam do alto da montanha, e o destino de algumas era os ombros de quem quer que estivesse no sofá. Pássaros sempre as visitavam. Outros as escolhiam para chocar seus ovos. Pessoas visavam as mais coposas, sempre nas férias. Outros faziam orações nos mesmos lugares. Na verdade, quase tudo acontecia lá. À noite, não mais do sofá, mas do quarto, ouvia-se apenas o canto das árvores, que juntas formavam o “coro” noturno. Lembrava-nos serenatas de amigos sempre que fazíamos aniversário. E quem dizia que apesar dos rangidos dos fortes galhos, na tão dócil paz dormia muitos filhotinhos de aves, enquanto desfilavam desfileirados apenas morcegos em busca de frutas. Além disso, poucas horas mais tarde, e talvez todo dia, ouvia-se também o uivado de lobos que apenas passeavam com seus filhotes, parecidos a madames à tarde com seus cachorrinhos. A cidade dormia mesmo era bem depois da meia-noite. Ouvia-se depois disto, da cidade, apenas algumas viaturas que raramente usavam suas sirenes. Isto ajudava muito quem gostava do som que descia da montanha e entrava pela fresta das janelas e portas, e passava a mão em nossos cabelos, sempre com uma canção de ninar. O perfume era quase o mesmo a todas as árvores. Existia apenas algumas diferenças. O aroma era distribuído conforme as diferentes classes. Apenas experts distinguiam. Ao amanhecer, mas bem um pouco antes do sol nascer, um pouco depois da oração matutina, e quase bem na hora do esticar dos nervos, sempre lembrava-nos das músicas da noite passada. Hoje era outra. Outra, pois mais componentes se juntavam. Pássaros, animais diurnos, e mais folhas. O show durava pouco. Como crianças no teatro, como estudantes na sala de aula numa segunda-feira, que perturbam por querer fofocar de tudo, como mosquitos na pesca... assim eram o movimento da cidade ao atrapalhar o “show” vindo da montanha. Mas, na livre e espontânea pressão, fazíamos parte deste público inocente. Tudo isso não justificava tudo. Se na inocência infantil soubéssemos ouvir e assistir as peças de teatro em que nossos pais nos levava, não destruiríamos LP´s de vinil dos clássicos que nos restou de herança. A cidade não ouviu. Não assistiu. Eram poucos os que viravam-se e via o aceno das árvores na montanha. Não eram muitos os que sentavam no sofá e eram tocados aos ombros pelas folhas. O que mais se via, eram as varreções. Os poucos da cadeira da frente, não foram suficiente pra evitar que parte do Oeste fora visto. Lobos sem passeio, morcegos sem desfile, pardais sem ninhos, chuvas inesperadas... o show acabou. Quem hoje senta no sofá já não tem mais a vista como antes. A coroa da montanha não é mais somente em dias pouco nublados. Fazem-na forçadamente, da queima do resto que sobrou dos atores do show. Os mesmos atores que outrora moravam na montanha, que assobiavam noite a dentro, e gritavam durante o dia, foram para os quartos, para as salas, cozinhas, enfim, não enviam mais os suaves sons que entravam pelas frestas, mas agora pelas portas, ou próprias portas. Apesar de tudo, ainda hoje, quem senta no sofá vê uma árvore. Uma não, muita. No horizonte do leste ainda pode-se ouvir pelo vale, como um rio na cheia, o show dançante de folhas batendo, entre elas, os atores filhos dos que na montanha faziam parte da peça. Mas ombros não são mais tocados no sofá. As folhas que praticavam esse esporte agora voam para um outro sofá, e somos, no sofá, apenas o público que não recebe mais panfletos.
Gustavo P. Andrade.
gustavoareado@yahoo.com.br

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